31 agosto 2015

Pousadas somam prejuízos após 3 anos de escassez no Lago de Furnas

31/08/2015 08h53 - Atualizado em 31/08/2015 08h56

Pousadas somam prejuízos após 3 anos de escassez no Lago de Furnas

G1 fez percurso da seca no circuito turístico da represa no Sul de Minas.
Imagens mostram comparação do lago em 2011 e em 2015, com estiagem.

Samantha SilvaDo G1 Sul de Minas
Ao fazermos o caminho que margeia o Reservatório de Furnas, fica difícil encontrar os trechos que ainda é possível ver o lago. Pelo circuito turístico que se formou em volta da água, o descaso se torna aparente. O matagal não aparado às margens da rodovia se mistura com o alto pasto que tomou conta da área onde antes havia água. A região enfrenta três anos de escassez de chuvas, e sem elas, também a ausência do lago.
G1 percorreu cerca de 300 km por algumas cidades que seguem o caminho do lago ouvindo os empresários que formam o circuito de turismo no Sul de Minas. Os relatos contam a mesma história: prejuízos incalculáveis. Sem turistas, muitos empresários estão investindo em salões para atrair eventos empresariais e estrutura para receber eventos esportistas. Outros só esperam que o verão evite que as portas se fechem de vez à volta do Lago de Furnas.
(Confira o trajeto pelo Lago de Furnas percorrido pelo G1 no vídeo acima)
Rio Sapucaí – BR-491
Seu Rogério Salles, de 69 anos, se acostumou a olhar para as grandes pedras descobertas no Rio Sapucaí. Um dos principais rios que formam o Lago de Furnas, as águas não sobem de volta para seu nível normal há pelo menos três anos. “Os antigos dizem que estão vendo pedras que nunca tinham visto antes. Geralmente a água bate lá no meio da ponte, agora não passa desse ponto aí”, diz ao se referir ao nível da água que não passa dos pés da passarela.
Rio Sapucaí, Paraguaçu - Lago de Furnas (Foto: Samantha Silva / G1)Passarela na BR-491 sobre Rio Sapucaí, um dos braços do Lago de Furnas (Foto: Samantha Silva / G1)
Às margens do rio, na zona rural de Paraguaçu (MG), está localizada a Pousada Vale das Pedras. Construída em 2000, ele administra o local com o filho de 36 anos, Rogério Dias Salles. Ambos dentistas, aproveitaram a oportunidade de investir no turismo que as margens do Lago de Furnas trazem para muitos empresários no Sul de Minas.
Os antigos dizem que estão vendo pedras que nunca tinham visto antes."
Rogério Salles, empresário
Justamente nessa época, a região acabava de se recuperar do período de seca que o final dos anos 1990 trouxe para a região. Os bons tempos duraram pouco mais de 10 anos. “Mas agora está diferente, porque já dura quatro anos [a seca]. Tem dois meses que não chove uma gota d’água e agora só vem pra valer, a chuva, no final de outubro”, diz o filho Rogério Salles.
A pousada recebe ao menos 300 visitas por mês, e o restaurante do local, popular na região, tem um fluxo de mil clientes por mês. Como o rio continua a correr – ainda que não como antes - os empresários não viram o movimento cair, mas já começaram a investir na construção de salões para realizar eventos empresariais, o tipo de cliente que ainda segura o movimento do local. “Mas muitas outras pousadas já estão falidas”, completa Salles.
Gif ponte Rio do Machado, um dos rios do Lago de Furnas (Foto: Montagem G1 / Google Street View)Gif ponte Rio do Machado, um dos rios do Lago de Furnas (Foto: Montagem G1 / Google Street View)
Porto sem “mar”
Em uma tarde de domingo, um grande movimento se acumulava no restaurante da Pousada do Porto, entre Alfenas (MG) e Areado (MG). O fim de semana atípico é consequência de uma das estratégias dos proprietários para atrair hóspedes ao local. Com o Circuito de Ciclistas criado nas trilhas da pousada, os atletas lotaram o empreendimento localizado bem às margens do reservatório.
Nesses três anos de seca, o movimento aqui caiu 90%."
Miguel Barbosa, empresário
Mas aos fundos da pousada, um elevado de madeira “deslocado” acomoda ao ar livre as últimas mesas do restaurante. Antes construído sobre o lago, hoje o local só dá vista para a alta vegetação. “Nesses três anos de seca, o movimento aqui caiu 90%. Antes eu tinha 77 funcionários, hoje nós estamos com uns 12, 15”, conta o proprietário Miguel Barbosa, de 64 anos. “A lotação máxima aqui é de 150 pessoas, mas não tem passado de 20 a cada fim de semana.”
O saldo negativo não para por aí. Barbosa perdeu a estrutura de tambores que fazia a plataforma do dique boiar no lago. Após anos na terra seca, o barco flutuante também se perdeu com o desgaste. “Só com isso tive um prejuízo de R$ 300 mil”, completa.
Sem o lago para chamar de porto a pousada, Barbosa também estuda investir em uma área de salões para atrair eventos empresariais. No mais, ele depende da única coisa que sempre existiu nas montanhas do Sul de Minas para atrair turistas: os rios.
Pousada do Porto, Alfenas, Lago de Furnas - 2011 (Foto: Samantha Silva / G1)Pousada do Porto em Alfenas - Lago de Furnas em agosto de 2011 (Foto: Devanir Gino / EPTV)
Pousada do Porto, Alfenas, Lago de Furnas (Foto: Samantha Silva / G1)Pousada do Porto, em Alfenas, atualmente - registrada em maio de 2015 (Foto: Samantha Silva / G1)
No site da pousada, o aviso explica: “O nível da represa está abaixo do normal por conta da estiagem e abertura das comportas da hidrelétrica de Furnas. A pescaria acontece normalmente no leito do Rio Cabo Verde.”
Caminho do lago ausente
Ao seguirmos por todo o caminho da rodovia, onde o “Mar de Minas” antes enfeitava a paisagem, a maioria das pousadas relata o mesmo discurso: queda de ao menos 50% do movimento. Mesmo cidades beneficiadas pela topografia, como Fama (MG), que “segura” o lago ainda que com o seu nível baixo, não têm a mesma movimentação de turistas como antes.
Vista da Pousada do Juquinha, em Alfenas: lago de furnas virou pasto (Foto: Samantha Silva / G1)Vista da Pousada do Juquinha, em Alfenas: lago
virou pasto (Foto: Samantha Silva / G1)
“Diminuiu muito. Mesmo com o lago, caiu demais o movimento”, lamenta a funcionária da Pousada Recanto das Águas, em Fama, Vanda França Fonseca. Pouco à frente seguindo pela BR-491, em no Restaurante e Hotel do Juquinha em Alfenas (MG), a filha do proprietário fala de queda de ao menos 60% no movimento.
“Só não demitimos ainda porque tem o restaurante”, afirma Michele Martini, de 27 anos. A varanda do empreendimento dava vista ao lago e era um atrativo para clientes que praticam a pesca esportiva. Atualmente, o pasto é tão alto que quase não é possível mais identificar onde o lago estava. “Esse tipo de cliente não temos mais. Só não faltou peixe ainda porque compramos de produtores de tanque”, explica.
Segundo a Associação dos Municípios do Lago de Furnas (Alago), atualmente o nível do Lago de Furnas está 11 metros abaixo do seu máximo, que é de 764 metros. No período de estiagem, o normal era a represa ficar apenas de dois a três metros abaixo do nível máximo.
Carmo do Rio Claro, Lago de Furnas, 2011-2015 (Foto: Montagem G1 / Google Street View)
Nos últimos três anos, apesar das pancadas de chuva que ocasionalmente ocorreram na região, o reservatório elevou pouco dessa média. A Alago não sabe precisar o número de pousadas, clubes náuticos e hotéis que existem atualmente na região do lago, mas calcula-se, pelo menos, cerca de 500 empreendimentos.
A associação também não sabe dizer se empresários já fecharam as portas neste período de seca, mas o secretário executivo da Alago, Fausto Costa, cita um hotel em Campo do Meio (MG) que parou de funcionar no ano passado com a falta do lago. “É rezar pra chover”, finaliza em relação ao futuro.
Funcionário da Pousada Pontal do Lago, Furnas, Carmo do Rio Claro (Foto: Samantha Silva / G1)'O pescador não vem mais', diz Luiz Verzani,
funcionário da pousada (Foto: Samantha Silva / G1)
Ponto sem lago – MG-184
Luiz Antônio Verzani, de 63 anos, classifica dois tipos de hóspedes que costumam ficar na Pousada Pontal do Lago, em Carmo do Rio Claro (MG): a turma do sossego e a turma da pescaria. “Esse tipo de turista, o pescador, não vem mais. Agora só alguns que procuram sossego”, explica.
Paulista da capital do estado, ele já trabalha há 8 anos no empreendimento, e ao observar a vegetação alta onde ficava o lago, lamenta o período de seca. “Antes era preciso reservar com, pelo menos, um mês de antecedência. Agora tem vaga todo fim de semana.”
O nome da pousada é explicado arquitetonicamente. O final do longo gramado forma uma ponta antes localizada sobre o lago, dando a impressão de navegar pelo reservatório. Atualmente, o elevado permanece “atracado” sobre a terra e se tornou apenas um marco para lembrar até onde as águas chegavam.
Pontal da pousada em Carmo do Rio Claro registrada em agosto de 2015 - Furnas (Foto: Samantha Silva / G1)Pontal da pousada em Carmo do Rio Claro registrada em agosto de 2015 (Foto: Samantha Silva / G1)
Pousada Pontal do Lago, em Carmo do Rio Claro, registrada em 2011 (Foto: Google Street View)Pousada Pontal do Lago, em Carmo do Rio Claro, registrada em 2011 (Foto: Google Street View)
Futuro verão
Segundo o Instituto Nacional de Meteorologista (Inmet), a previsão é de que as chuvas com volume significativo de água caiam apenas no ápice do verão, entre os meses de dezembro, janeiro e fevereiro. Até lá, a previsão é de apenas pancadas de chuvas a partir de setembro.
O meteorologista do instituto, Claudemir Azevedo, explica que desde 2011 observa-se chuvas irregulares e abaixo da média na região, que culminou na seca que atinge o Sudeste desde 2014. Apesar de atípico, um fenômeno semelhante aconteceu entre os anos 1961 e 1963, até então considerada a maior seca no Sudeste desde o início do monitoramento pelo órgão.
Ainda assim, não é possível dizer se a seca dos últimos anos tenha ocorrido pelos mesmos motivos. “Já aconteceu antes, mas ao mesmo tempo hoje temos uma grande demanda de água na indústria, agricultura, que não havia naquela época e pode ser uma das causas”.
Trecho sobre o Lago de Furnas, em Carmo do Rio Claro (Foto: Samantha Silva / G1)Trecho sobre o Lago de Furnas faz um paralelo entre o lago seco (à esq.) e como deveria estar (à dir.)
(Foto: Samantha Silva / G1)
Ainda segundo Azevedo, mesmo que o próximo verão traga chuvas abundantes, não será suficiente para recuperar os reservatórios brasileiros que se encontram em um grande déficit hídrico, e ainda não há previsão nenhuma de que neste verão chova normalmente.
“A humanidade em geral aprende com os erros e as faltas. E esta seca nos traz uma lição. Mesmo que a abundância volte, é preciso que a gente mude o nosso comportamento para não desperdiçar novamente”, finaliza o meteorologista.

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