'Pensei em me matar', diz jovem que teve vídeo íntimo divulgado na internet
Nos últimos dois anos, número de vítimas desse crime dobrou no Brasil.
Vinte e cinco por cento das vítimas são meninas de 12 a 17 anos.
O compartilhamento de fotos e vídeos íntimos pelo celular, sem autorização, é uma prática que vem ganhando força em aplicativos e redes sociais. Nos últimos dois anos, o número de vítimas desse tipo de crime dobrou no Brasil. As mulheres são o alvo principal e são muitas as marcas e os traumas deixados. Elas trocam o número de telefone e mudam até de cidade. Algumas vezes, tudo começa por insistência do homem.
“Ele falava assim: ‘ah, você não tem coragem de fazer. Eu queria muito ver. Você fala que é isso, isso e isso, mas não faz o vídeo’. Aí eu fiquei com aquilo na cabeça, porque eu não gosto de ser subestimada, e acabei caindo na pilha e resolvi fazer um vídeo”, conta uma vítima.
A estudante de 21 anos criou coragem para gravar essa entrevista, mas como quer seguir carreira na magistratura, ser juíza, pediu para não ter o nome identificado.
Em janeiro, ela viveu uma situação traumática: um vídeo íntimo que ela gravou para um conhecido, se masturbando, vazou em grupos do WhatsApp no país inteiro.
“A gente tinha um contato muito íntimo, porque a gente estava meio que se relacionando. Então, a gente trocava esse tipo de conversa íntima e ele, sempre ao final da conversa, me pedia um vídeo. Aí peguei e fiz. Eu tinha curiosidade de saber como era usar um vibrador e ele por ter curiosidade de saber como seria minha performance no vídeo”, lembra.
Até que um dia, em uma festa, um amigo desse garoto disse para ela que tinha recebido o vídeo.
Vítima teve que mudar de cidade
“Duas semanas depois eu já tinha descoberto que o vídeo já não estava mais só na mão da pessoa que eu tinha enviado. Então, já veio aquela preocupação, aquele surto. ‘Pronto, agora minha casa caiu’, porque era uma pessoa que eu não conhecia, que eu não tinha enviado o vídeo e veio assim: ‘É seu, né?’ me acusando. Quando eu percebi, já estava numa proporção muito grande. Dei mole, porque eu fui inocente de achar que isso não cairia na rede. Mas mais inocente por ter confiado numa pessoa que não era nada meu, com quem eu não deveria ter consideração”, conta.
A entrevistada foi vítima de uma prática machista, silenciosa, que vem ganhando força principalmente pelo whatsapp. Nos grupos do aplicativo, amigos ou conhecidos, que sejam, mandam vídeos íntimos de terceiros como se fosse a coisa mais normal do mundo.
Na maioria dos casos é a mulher que sai estigmatizada e a forma como esses vídeos têm sido divulgados ajuda.
Na maioria dos casos é a mulher que sai estigmatizada e a forma como esses vídeos têm sido divulgados ajuda.
Primeiro, alguém descobre o nome da mulher e aí tira um print do perfil dela em alguma rede social, geralmente do Facebook ou do Instagram. Depois, uma foto do álbum e, aí sim, o vídeo geralmente da mulher transando - não importa se com o namorado, marido ou numa relação de uma noite - ou se masturbando, como foi o caso da entrevistada.
O vídeo dela foi parar em grupos de amigos do trabalho, o chefe viu. O irmão, de 17 anos, também recebeu o vídeo num grupo dos amigos da escola. A menina mudou de cidade, mas onde ela mora agora e em outras cidades da região já descobriram o vídeo.
“Cheguei na festa e o rapaz estava me olhando muito. Olhava para o celular e olhava pra mim, olhava para o celular e olhava pra mim. Fiquei curiosa, porque eu não o conhecia e achei estranha a atitude dele. Aí perguntei a ele: ‘o que foi?’. E ele: ‘não, estou olhando seu vídeo aqui’. Eu me senti muito humilhada, porque tinha muita gente perto, eu estava em um momento de descontração. Ele quebrou o clima da festa. Peguei e fui embora, porque acabou ali pra mim, porque infelizmente eu não estava podendo sair de casa”, diz a vítima.
Juliana é psicóloga e trabalha na SaferNet, uma ONG, com sede em Salvador, que recebe esse tipo de denúncia e tem os números mais atuais e completos sobre o assunto.
Nos últimos oito anos, o número de meninas e mulheres que denunciaram casos de sexting, termo em inglês usado para esse tipo de prática, cresceu 120%.
Perfil das vítimas:
- 81% das vítimas são mulheres
- 28% têm entre 18 e 25 anos
- 25% são menores de idade: meninas de 12 a 17 anos
- 28% têm entre 18 e 25 anos
- 25% são menores de idade: meninas de 12 a 17 anos
Mas o número total de vítimas é muito maior, já que nem todas denunciam.
“Isso tem a ver com o fato de que muitas vítimas têm medo ou vergonha de contar o que aconteceu com elas. Em aplicativos de mensagens instantâneas, a gente sabe que tem listas e grupos especializados em compartilhar esse tipo de conteúdo. Você tem grupos que compartilham e milhares de outras pessoas também compartilham em seus grupos e aí esse conteúdo se dissemina muito mais rapidamente, velozmente, e muitas vezes chega entre pessoas que são conhecidas da pessoa que está no vídeo e aí isso de fato afeta a vida dela no trabalho, na escola”, diz Juliana Cunha, psicóloga e coordenadora do SaferNet.
Grupo no WhatsApp é criado para troca de vídeos de sexo
A GloboNews conversou com um homem de 28 anos que faz parte de um grupo no WhatsApp que foi criado só pra troca de vídeos de sexo - não que nos outros grupos não haja esse compartilhamento. Muitos dos vídeos são profissionais, da indústria pornô, e outros tantos íntimos, caseiros, que vazaram sem o consentimento de quem aparece ali. Geralmente, são esses vídeos que fazem mais sucesso.
“Ela sabe que é algo amador, então poderia estar acontecendo ali pra ela mesma. Seria uma forma de tornar mais próximo aquele vídeo, aquela situação”, diz o homem, que admite que abre esses vídeos, compartilha, manda para outros grupos. Ele confessa que nunca pensou se pode ser responsabilizado por isso.
Quem vaza o vídeo pode responder criminalmente por injúria e difamação. Quem compartilha, que só envia para os outros, mesmo sem comentar nada, pode ser responsabilizado na esfera civil por ter colaborado para o dano moral daquela vítima.
“Toda novidade que chega, você quer difundir. Então, de alguma forma você se sente inserido ali naqueles grupos e acaba transmitindo aquele vídeo, aquela foto”, diz o homem que participa do grupo no WhatsApp.
As consequências que o vazamento de um vídeo íntimo gera na vida da vítima são graves.
“Como eu trabalhava, eu passava em cima de uma ponte, não tinha um dia sequer que eu não pensasse em me jogar. Parecia que o rio me chamava. Não teve um dia seques nos meses de abril e maio eu não pensava em me matar, porque aquilo pra mim era o fim do mundo”, diz a vítima.
Ex-namorado usou vídeo para tentar impedir fim do namoro
A GloboNews conversou com uma outra vítima que foi chantageada pelo ex-namorado. Depois de um relacionamento de dois anos, ela tentou terminar e descobriu que o namorado tinha gravado um vídeo em que os dois faziam sexo sem que ela soubesse. Ele ameaçou divulgar o vídeo caso ela terminasse. A jovem terminou o namoro e o vídeo foi parar nas redes sociais. A jovem entrou na Justiça contra o ex-namorado.
“A gente estava começando a relação, estava nas preliminares, e ele pegou o celular e falou: ‘ah, vou responder a mensagem que um amigo me mandou’. Começou a gravar daí”, contou a vítima.
Com o apoio da família e dos amigos do trabalho, ela conseguiu permanecer na cidade onde já morava.
"Por dentro eu estava assim, acabada. 'E agora, o que que vai ser da minha vida?' A gente pensa mil coisas. Pensei em me matar por causa disso, não sei o que que vai ser de mim, pensei em mudar de cidade. Aí chegou no ouvido da minha mãe. Aí ela: ‘minha filha, a gente não pode se desesperar agora, tem que manter a calma’. Ela foi meu porto seguro pra tudo”, diz a jovem. “Meu vídeo também saiu num site pornô. Eu logo descobri, consegui tirar. Foi um anônimo que botou esse vídeo. A gente ainda está tentando saber quem foi para entrar com processo”, conta.
A vítima diz ainda que o assédio dos homens aumentou depois que o vídeo saiu.
“O homem vê: ‘ah, aquela ali saiu na rede é piranha. Mais uma, porque foi isso que aconteceu. Postaram no facebook: ‘mais uma novinha que saiu na rede’. Aí quando eu vi eu falei: ‘sou eu’. Comigo aconteceu: ‘ah, vou ficar com ela, só para conseguir ela e ver se é aquilo mesmo’. Homem vai chegar perto de você para te usar mesmo depois que sai o vídeo, mas você não tem que se envolver com qualquer tipo de pessoa, porque é um pouco difícil a gente achar a pessoa que vai se relacionar com a gente sem ter interesse”, diz.
A GloboNews entrou em contato com o escritório do WhatsApp por e-mail, mas ainda não teve resposta. O site do aplicativo estabelece uma série de termos de serviço.
O WhatsApp determina, por escrito, que proíbe o envio de conteúdo que viole esses termos, como material ilegal, obsceno, ameaçador, assediante, odioso, de ofensa racial ou étnica.
O Facebook disse que estabelece uma lista de "padrões da comunidade" que devem ser seguidos por quem usa a rede social. Esses padrões proíbem os usuários de postarem conteúdo ou tomarem ações que violem os direitos de outras pessoas.
O Facebook informou também que as pessoas podem reportar conteúdos que elas considerem que estejam fora dos padrões estabelecidos, incluindo postagens de imagens de nudez.
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