12 junho 2015

'O Brasil é bom para mim', diz haitiano hostilizado em vídeo no RS

12/06/2015 07h05 - Atualizado em 12/06/2015 07h05

'O Brasil é bom para mim', diz haitiano hostilizado em vídeo no RS

Flaubert Brutus foi abordado por homem em posto de gasolina em Canoas.
Após 'discriminação', ele diz ser bem tratado pela maioria dos brasileiros.

Felipe TrudaDo G1 RS, em Canoas
Flaubert abastece carro durante o trabalho no posto de combustíveis (Foto: Felipe Truda/G1)Flaubert abastece carro durante o trabalho no posto de combustíveis (Foto: Felipe Truda/G1)
O haitiano Flaubert Brutus se destaca entre os sete frentistas estrangeiros que trabalham em um posto de combustíveis no centro de Canoas, na Região Metropolitana de Porto Alegre. Não apenas pela notoriedade que ganhou após aparecer em um vídeo sendo abordado e ironizado por um homem enquanto trabalhava, mas também pelo constante sorriso no rosto e a disposição com a qual exerce a profissão. O semblante, no entanto, se fecha quando ele é questionado sobre o episódio que o deixou conhecido.
Ele me fez discriminação porque sou estrangeiro"
Flaubert Brutus
"Não me sinto muito bem. Ele 'me fez discriminação' porque sou estrangeiro", desabafa, com a dificuldade em juntar as palavras de quem recém chegou ao país e ainda não domina o idioma.
Apesar de não esconder a tristeza ao relatar a situação pela qual passou, Flaubert exalta as várias manifestações de apoio que vem recebendo e que já o fizeram entender que o autor da "discriminação" é exceção à regra. "Tem mais brasileiros que gostam de estrangeiros. O Brasil é bom, o Brasil é bom para mim", diz, trocando o semblante sério novamente por um sorriso.
O vídeo divulgado na semana passada teve mais de 16 mil compartilhamentos no Facebook. Nele, um homem aparece vestido com roupas camufladas e um símbolo semelhante ao do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) do Rio de Janeiro no peito, além de um boné estampado com a bandeira do Brasil. Ele pergunta ao frentista de onde ele é e, após ouvir que é haitiano, ironiza o fato de o estrangeiro ter conseguido emprego no Brasil, enquanto o funcionário enche o tanque do carro.
Flaubert acredita que a maioria dos brasileiros apoia a chegada de imigrantes (Foto: Felipe Truda/G1)Flaubert acredita que a maioria dos brasileiros
é simpática aos imigrantes (Foto: Felipe Truda/G1)
"Aqui tem um dos milhares de haitianos trazidos pelo governo comunista da Dilma Rousseff enquanto milhares, só no mês passado, de brasileiros, perderam o emprego no Brasil. Parabéns, irmão, você é muito competente. Aqui no Brasil, são todos incompetentes", diz o homem na filmagem. O gerente de vendas Daniel Barbosa, de 42 anos, assumiu ser quem aparece nas imagens, mas negou ter cometido qualquer tipo de xenofobia.
Flaubert não compreende os motivos alegados por Daniel. "Ele me falou que tem haitianos que vêm para cá, e que no Brasil não tem trabalho, e que no mês passado tem 'muito brasileiro e brasileira' que perdeu o trabalho. Não sei por quê. 'Me fez discriminação'", lamenta.
Flaubert conversou com o G1 no intervalo do seu horário de trabalho. Pouco antes, corria por entre as bombas de gasolina, sempre atento ao movimento dos carros que chegavam para abastecer. Falava com os colegas estrangeiros – todos também haitianos – e se esforçava para se comunicar com clientes e colegas brasileiros.
O imigrante parecia um tanto constrangido durante a conversa com a reportagem, quando aparentava estar envergonhado por não entender as perguntas. "Falo português pouco", confessou. Mas o conhecimento limitado do idioma era compensado pelo esforço para se comunicar. Com o forte sotaque e usando algumas palavras em espanhol e francês, ele contou que sonha trazer ao país a mulher e os dois filhos.
Não é raro ver Flaubert sorrir enquanto trabalha no posto em Canoas (Foto: Felipe Truda/G1)Não é raro ver Flaubert sorrir enquanto trabalha
no posto em Canoas (Foto: Felipe Truda/G1)
"Quando vim para cá, deixei minha mulher. Tenho duas crianças, uma filha de dois anos e um filho de um mês que não conheci. Deixei a mulher grávida, e ela deu à luz mês passado. Vou voltar e trazer eles para cá", conta, empolgado.
Faz cinco meses que Flaubert chegou a Balneário Camboriú, no litoral de Santa Catarina. Depois de três meses sem conseguir emprego, veio para a  Região Metropolitana de Porto Alegre e começou a trabalhar no posto. Usa parte do dinheiro para sobreviver e envia o que sobra aos familiares. "Este posto me traz felicidade. Foi meu primeiro emprego aqui", relata.
O gerente do estabelecimento, Volmir Martins da Silva, diz estar satisfeito não somente com o trabalho de Flaubert, mas com todos os haitianos que trabalham lá. "Eles se adaptaram muito bem. São tratados de maneira igual, ganham o mesmo salário que os brasileiros. Eles estão felizes aqui", diz o gerente.
Silva não estava no posto quando o vídeo com as ironias a Flaubert foi gravado. Ele garante que, se estivesse no local, teria impedido Daniel de importunar o colega. "Foi bem na hora que tínhamos saído", lamentou.
Assim como Flaubert, Adlen trabalha para ajudar mulher e filhos no Haiti (Foto: Felipe Truda/G1)Assim como Flaubert, Adlen trabalha para ajudar
mulher e filhos no Haiti (Foto: Felipe Truda/G1)
Cidade tem outros estrangeiros
A presença de trabalhadores estrangeiros não fica limitada ao posto onde Flaubert e seus colegas trabalham. Em uma lanchonete em frente ao estabelecimento, o haitiano Noel Adlen frita ovos e hambúrgueres para sobreviver e, assim como o compatriota, enviar dinheiro à mulher e aos filhos no Haiti. Ele chegou ao país há seis meses, junto com o irmão, que também é funcionário do estabelecimento, mas no turno invertido.
"Tenho seis meses fazendo serviço com ele. Fazemos nosso trabalho e somos pagos sem problemas", conta.
Adlen e o irmão viajaram ao Brasil aconselhados por outro irmão, que vive em Brasília. "Tenho um irmão que está em Brasília há quatro anos e faz serviço em uma companhia de obras. Ele me mandou vir para cá", conta.
Assim como Flaubert, Adlen tem uma boa relação com os colegas. "Eles se adaptam rápido", diz o gerente da lanchonete, Julio César Caminha da Rosa. "São trabalhadores, pontuais e educados. Se fossem todos assim, nós só contrataríamos haitianos", brinca.

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