10 junho 2015

Cristo 'viralizou' - crucificação na Parada Gay, onda conservadora e ação no STF

por Yvonne Maggie

Cristo 'viralizou' - crucificação na Parada Gay, onda conservadora e ação no STF

Manifestação contra a homofobia na 19ª Parada do Orgulho LGBT na Avenida Paulista, neste domingo (7) Nos últimos dias a polêmica sobre o uso de símbolos religiosos para expressar críticas ampliou-se, exageradamente, em uma onda conservadora.
 
Tudo começou com a marcha LGBT em São Paulo, no último domingo (7), quando uma linda e jovem mulher  artista e transexual se apresentou como Cristo na cruz com seu corpo escultural manchado de sangue e os cabelos compridos e encaracolados protegendo de leve os seios. Um cristo mulher, um cristo representando o sofrimento e o protesto contra a homofobia.
 
A imagem é forte e não foi a primeira vez que apareceu em um movimento LGBT.
Em 2013, na “Marcha das Vadias” no Rio de Janeiro, em pleno evento da Jornada Mundial da Juventude,algumas jovens nuas colocaram uma imagem de Cristo crucificado como um tapa-sexo.
 
O viral foi marcado por uma discussão no mínimo pouco saudável e muito pouco democrática. Mas o uso de símbolos religiosos no Brasil para expressar crítica não começou aí.
 
31 de março de 1989 – Joãosinho causou polêmica com uma imagem do Cristo Redentor vestido de mendigo na Beija-Flor; a escola foi vice-campeã naquele anoLembro o evento carioca que foi um clássico: Joãosinho Trinta, carnavalesco da Beija-Flor de Nilópolis, fez, em 1989, um dos mais polêmicos carnavais do Rio com o enredo “Ratos e urubus larguem a minha fantasia”, homenageando os mendigos e falando sobre a reciclagem do lixo. A briga que comprou foi com a Arquidiocese do Rio quando apresentou o carro alegórico com o Cristo Redentor estilizado como mendigo. A Igreja Católica exerceu seu poder e proibiu a alegoria. Joãosinho deu a resposta e decidiu desfilar assim mesmo, cobrindo o Cristo com um plástico preto e com os dizeres: “Mesmo proibido, olhai por nós”.
 
Não havia internet, muito menos redes sociais. A genialidade do grande Joãosinho, com suas frases inesquecíveis como “O povo gosta de luxo, quem gosta de miséria é intelectual”, desafiou o poder eclesiástico e a emenda saiu melhor do que o soneto porque o povo delirou com aquele ato rebelde e ao mesmo tempo obediente.

Hoje, talvez, o resultado fosse outro.
 
Capa do disco 'Eu não sou santo', de Bezerra da SilvaLembrei-me de muitos exemplos mas vou citar apenas alguns, bastante significativos para mim. Um ano depois do famoso carnaval de Joãosinho, em 1990, Bezerra da Silva lançou o disco, “Não sou santo” cuja capa exibia o próprio Bezerra vestido de blusa listada, com dois revólveres na cintura e outros dois nas mãos, como um malandro crucificado, tendo ao fundo uma favela. A música título é daquelas geniais do grande compositor a ilustração gerou enorme discussão.
 
Também é inesquecível a sequência extraordinária do filme “Gordos e Magros” de 1976, do grande Mario Carneiro, na qual Wilson Gray, como Cristo carregando a cruz, termina no alto do morro bebendo uma cachacinha. 
 
José Mayer e Denise Milfont em O Pagador de PromessasE ainda o clássico, de 1962, “O pagador de promessas”. O filme começa em um terreiro de candomblé e relata o caso de um camponês que tenta pagar sua promessa levando a cruz que carrega por quilômetros para dentro de uma Igreja na Bahia. Tendo sido impedido pelo prelado e pela cúpula eclesiástica da cidade, arromba a porta fechada com cruz e tudo.
 
É também preciso não esquecer de “Deus e o diabo na terra do sol” de Glauber Rocha, que usa a simbologia católica e o cangaço, e mostra poeticamente a luta do bem contra o mal no País. Ser iconoclasta era um caminho difícil. O filme de 1964 só foi liberado pela censura pela intervenção quase impensável de um general que assistiu à sessão e reverenciou o grande cineasta.   
 
Em tempo, o Supremo Tribunal Federal realizará no dia 15 de junho próximo uma audiência pública sobre o ensino religioso em escolas da rede oficial. O tema é objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade movida pela Procuradoria-Geral da República que contesta o ensino religioso confessional ministrado por religiosos. A ação afirma que em um Estado laico o ensino religioso deve se voltar para a história das várias religiões sob a perspectiva laica.        
 
O caminho da onda do conservadorismo religioso pode estar sendo barrado pelos juízes da mais alta corte brasileira. Quem sabe?

Imagens:Viviany Beleboni crucificada (Reuters/João Castellhano); O 'Cristo mendigo' de Joãosinho Trinta (Arquivo/AE); Capa do disco de Bezerra da Silva (Reprodução); O Pagador de Promessas (Reprodução/Tv Globo)

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