01 fevereiro 2016

Primárias nos EUA começam

Braço de Hillary Clinton aponta para Iowa: estado dá início às primárias Foto: BRIAN SNYDER / REUTERS

Primárias nos EUA começam marcadas pela incerteza

Sem agenda política e focadas nas personalidades, prévias têm nova dinâmica

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WASHINGTON - Meses após debates, promessas, polêmicas e acusações, as eleições americanas começam, de fato, amanhã, com o caucus (reunião de eleitores) de Iowa, quando se inicia o longo caminho para que os partidos Democrata e Republicano definam os candidatos que disputarão a votação de novembro. As incertezas e a expectativa de uma mobilização pelo “voto útil” tornam a disputa imprevisível. As fortes mudanças sociais e econômicas pelas quais passam os Estados Unidos também podem alterar o jogo e tornar estas primárias ainda mais surpreendentes que no passado, sobretudo pela possibilidade da entrada de um candidato independente e competitivo, o bilionário e ex-prefeito de Nova York Michael Bloomberg.
— As pesquisas levam em conta o imaginário do eleitor, mas na hora H muitos se deixam levar pelo pragmatismo. É quando acontece o chamado “voto útil”, em que o comportamento do eleitorado leva em conta a opção pelo candidato considerado o mais viável, abandonando até mesmo os nomes mais admirados — afirma Cliff Young, presidente da Ipsos Public Affairs nos EUA, empresa especializada em pesquisa social e reputação corporativa.

voto útil pode prejudicar donald trump

Quem mais pode sofrer com esse “voto útil” é o republicano Donald Trump, marcado por frases polêmicas contra imigrantes, mulheres, muçulmanos e deficientes, e que poderá ter dificuldades para conquistar o eleitor de centro. O caucus de Iowa favorece ainda mais essa avaliação. Ao contrário de uma primária tradicional, em que o eleitor apenas vota, nesta há um debate entre grupos de pessoas que precisam defender seus escolhidos, ficando assim suscetíveis a mudanças de última hora.
— Em todo ano eleitoral há surpresas em Iowa e em New Hampshire, as primárias iniciais. Isso fica ainda mais fácil entre os republicanos, que têm 12 pré-candidatos e a liderança do polêmico Donald Trump. Mas a porta também está aberta no campo democrata, com o crescimento do senador Bernie Sanders sobre a candidatura de Hillary Clinton — completa Mitchell McKinney, professor de Comunicação Política da Universidade do Missouri.
Tradicionalmente, as duas primárias iniciais dão um impulso às candidaturas. No caso do Partido Republicano, os resultados serão fundamentais para mostrar a viabilidade de cada pré-candidato, e muitos deverão desistir da disputa em fevereiro. Diferenças de votações maiores que as estimadas pelos levantamentos podem ser fatais, ou então embalar os concorrentes.
— Imagino que Sanders vença Hillary nos dois primeiros estados. No lado republicano, acredito que o senador Ted Cruz vença em Iowa e que Trump tenha um resultado muito pior no estado do que as pesquisas sugerem. Em New Hampshire, na primária do dia 9, a disputa deve ser apertada entre Trump, o governador John Kasich e o senador Marco Rubio, mas não posso prever quem vencerá — diz Henry Olsen, pesquisador do Centro de Ética e Políticas Públicas (EPPC, na sigla em inglês), de Washington.
Trump compareceu a um vento para veterenos de guerra na universidade de Drake em Des Moines, Iowa - Andrew Harnik / ap
Ele ainda vê Hillary como favorita, mesmo que sua previsão de derrota nas primárias de Iowa e New Hampshire seja confirmada. Isso porque a democrata conta com forte apoio entre os afro-americanos, que representam 13% do eleitorado do país, mas que não têm presença relevante nesses dois estados.
Muitas vezes as candidaturas já estão definidas depois da chamada superterça, quando mais de dez dos 50 estados fazem suas escolhas, ou então depois da votação na Flórida, em meados de março. Mas Cliff Young afirma que a escolha do Partido Republicano pode chegar até junho sem resolução:
— Existe uma grande chance de a situação chegar à convenção do partido, em julho, sem um vencedor claro, que una os republicanos e que tenha a maioria absoluta dos delegados. Neste cenário, a própria convenção pode ser contestada — diz o presidente da Ipsos, lembrando que, após o susto inicial das primárias, Hillary ainda é favorita à nomeação democrata.
Ele afirma que, com este cenário aberto, aumentam as chances de o republicano Michael Bloomberg, de 73 anos, entrar na disputa de forma competitiva, mas como candidato independente. O jornal “New York Times” noticiou que o bilionário prefere esperar até março para ter certeza se disputará a vaga. O avanço de Trump seria fundamental para os planos de Bloomberg, que acredita ser possível conquistar o voto dos moderados ou dos que não se identificam com nenhum dos dois partidos.
A ex-secretária de Estado Hillary Clinton e o senador Bernie Sanders participam do debate entre os pré-candidatos democratas à presidência dos Estados Unidos - RANDALL HILL / REUTERS

Eleição ainda sem agenda clara

Especialistas avaliam, ainda, que as prévias ocorrem em um momento de grande mudança nos EUA: a classe média deixou de ser maioria no país. Uma pesquisa do Pew Research Center indica que ela representava 61% da população em 1971, mas tem perdido terreno. Em meados do ano passado, 120,8 milhões de americanos adultos eram da classe média, contra 121,3 milhões de adultos do somatório das classes alta e baixa. O Ipsos mostra também que, em 2016, pela primeira vez na História americana, crianças brancas não são a maioria nos jardins de infância do país.
— Esta eleição é o momento de os EUA se questionarem. Há muitas dúvidas sobre o futuro, sobre o fim do sonho americano, do temor de o país não ser a grande potência planetária. Os democratas exploram esse fenômeno, indicando que o país precisa enfrentar a desigualdade. Já os republicanos focam no medo de que o país deixe de ser tão grandioso — afirma Young.
O professor Mitchell McKinney afirma que esta eleição ainda não tem uma agenda clara. Enquanto entre os democratas há mais debates sobre programas de saúde, aumento do salário mínimo e redução da desigualdade, no lado republicano, os assuntos mais em voga são imigração, terrorismo e a necessidade de se reduzir a influência do Estado na vida das pessoas.
— Esta disputa eleitoral está muito mais focadas nas pessoas dos candidatos do que em temas, algo a que os EUA não estão acostumados. As eleições nacionais, em geral, têm uma agenda dominante. Isso muda a dinâmica das prévias e das eleições — conclui.
O governador de Ohio, John Kasich, o ex-governador da Flórida, Jeb Bush, o senador Marco Rubio, o senador Ted Cruz, o cirurgião aposentado Ben Carson, o governador de Nova Jersey, Chris Christie e o senador Rand Paul participam do debate com pré-candidatos republicanos - SCOTT OLSON / AFP

Obama deve influenciar a disputa eleitoral

No debate republicano de quinta-feira, o nome do presidente Barack Obama foi mais citado do que o de Hillary Clinton, a favorita à nomeação democrata. Ela, por sua vez, tentou colar sua imagem à do presidente no último debate do partido, na segunda-feira. Estas são amostras de como o papel do presidente em seu último ano de mandato será importante na definição de seu sucessor.
Em recente entrevista ao site especializado “Politico”, Obama falou mais do que o habitual sobre eleições. Disse que o Partido Republicano está “irreconhecível” e mais à direita que no passado. Elogiou Hillary e seu principal oponente, o senador Bernie Sanders. Disse que sua ex-secretária de Estado “pode governar desde o primeiro dia, com mais experiência que os demais candidatos” e que Sanders é “autêntico, apaixonado e valente”. Recebeu os dois pré-candidatos na Casa Branca nesta semana e prometeu “neutralidade” na disputa dentro do partido.
Presidente Barack Obama faz discurso em Michigan, nos EUA - JONATHAN ERNST / REUTERS
No lado republicano, as iniciativas de Obama tendem a ser mais enfrentadas que a candidatura de Hillary, ao menos neste momento. Os candidatos prometem desfazer as grandes mudanças propostas pelo presidente, como seu programa de saúde, a flexibilização para os imigrantes sem papéis, o maior controle para a venda de armas e até o eventual fechamento da prisão de Guantánamo, o que Obama ainda não conseguiu cumprir. Em geral, condenam o acordo nuclear com o Irã, que veem como “prova da fraqueza americana”.
— Esta é uma eleição interessante e de grande significado. Ambos os lados buscam um caminho para a era pós-Obama — diz David Yepsen, diretor do Instituto de Política Pública da Southern Illinois University e ex-editor de política do jornal “Des Moines Register”, de Iowa.
Obama indicou, em seu último discurso do Estado da União, no início de janeiro, que não vai se adaptar ao estilo “pato manco”, em fim de mandato, e que tentará construir o final de seu legado no ano que lhe resta na Casa Branca. Ele tende a usar cada vez mais os atos executivos, uma forma de driblar um Congresso dominado pelos republicanos, mas uma tática cada vez mais questionada na Justiça — e que pode ser revertida com uma canetada pelo novo presidente em janeiro.
Obama luta por seu legado e para melhorar seus níveis de aprovação, quase sempre inferiores a sua desaprovação. Isso afeta fortemente a disputa, e será uma nova força política em ação, além da movimentação dos partidos e dos candidatos.


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