O elogio é um poderoso motivador; e não só para as crianças. O X da questão é a forma utilizada - elogiar o esforço durante o processo é melhor do que elogiar a beleza ou a inteligência por si só, diz psicopedagoga
Outra conclusão trazida pelos pesquisadores é a de que, principalmente para os pequenos com baixa autoestima, é mais importante elogiar ações; e não sua personalidade. Assim, dizer: “olha, que coisa inteligente você fez aqui” seria muito melhor do que dizer “como você é inteligente!”. Os psicólogos integrantes do grupo de pesquisa apontam ainda uma terceira dica para os pais aflitos com essas descobertas: repetir mantras como “eu vou conseguir” faz a criança se sentir pior.
Embora os apressados possam querer fazer parecer diferente, o estudo não diz que os pais e professores devem parar de elogiar. Ele só salienta que isso deve ser feito dentro de um contexto adequado; e nunca de forma exagerada. A psicanalista e psicopedagoga mineira Cristina Silveira corrobora as principais conclusões dessa pesquisa, e acrescenta alguns pontos à reflexão. Além de criar uma pressão por vezes insuportável sobre as crianças menos confiante, alguns tipos de elogios podem também favorecer o desenvolvimento de adultos insensíveis, com dificuldade de respeitar o outro.
Além de criar uma pressão por vezes insuportável sobre as crianças menos confiante, alguns tipos de elogios podem também favorecer o desenvolvimento de adultos insensíveis
O elogio exagerado à inteligência, por exemplo, pode fazer também com que o pequeno desenvolva indiferença ou insensibilidade, adotando uma postura de 'dono da verdade'. Ou seja, pode haver problemas também com o excesso de autoconfiança. “Esse outro tipo de gêniozinho passa a desrespeitar o professor e os colegas. Não sabe seus limites”, aponta a psicanalista.
O elogio desmedido pode causar até mesmo patologias – ansiedade, depressão, pânico. “Por medo de não se sair tão bem quanto esperado, a criança opta por não fazer a tarefa. Quando a família entende a questão dos elogios de forma equivocada, ele pode ser muito prejudicial”, descreve Cristina.
Elogiar é errado?
Não. Mas é preciso usar da forma correta. Quando uma criança recebe elogios pela sua inteligência ou beleza, ela pode concluir que deve ser inteligente e linda sempre. Acontece que a vida é cheia de frustrações, que produzem as experiências que nos levam ao amadurecimento. “Uma criança que nunca enfrenta uma frustração tem o desenvolvimento de seu caráter prejudicado. Ela pode ficar muito insegura ou extremamente insensível”, frisa Cristina.
No caso dos elogios pela beleza – 'olha que lindo', 'parece uma bonequinha' – a repetição e exagero podem levar a uma busca por um padrão inalcançável, motivando cirurgias plásticas ainda na adolescência, ou mesmo favorecendo o desenvolvimento de anorexia e bulimia. “Para alcançar um padrão de beleza que alguém viu nela um dia, a menina pede um vale-silicone de presente de aniversário aos 15 anos, por exemplo”, conta Cristina.
Por outro lado, o elogio é um poderoso motivador; e não só para as crianças. O X da questão é a forma utilizada. “Se você diz que o adolescente é muito inteligente e vai tirar de letra o vestibular de medicina, a pressão pode ficar insuportável. Mas, se você diz que admira o esforço que ele está fazendo e que, mesmo se o resultado não for o ideal, ele vai entender que pode sempre melhorar”, esclarece a psicopedagoga. Isso vale também para os professores. “Quando o elogio vem durante o processo, a criança aprende que o bom resultado é consequência do esforço. Por outro lado, se elogiamos apenas a inteligência, a criança não vai querer demonstrar nenhuma fraqueza que contradiga esse elogio. Daí surgem as desculpas para não fazer uma prova, por exemplo”, exemplifica a especialista.
A menina inglesa Poppy, de 7 anos, ganhou no último Natal um voucher de R$17 mil para uma futura lipoaspiração. Não é a primeira vez que a mãe da menina, Sarah Burge, de 51 anos, oferece um presente do tipo. Conhecida como 'Barbie Humana', por ter feito dezenas de cirurgias plásticas, Sarah já havia dado à filha um vale-silicone de R$ 14,5 mil. "Ela pedia a cirurgia a toda hora, porque quer ficar bonita. Eu vejo como um investimento para o futuro, ou seja, é como guardar dinheiro para a educação", afirmou Sarah aos tabloides britânicos. "Eu mal posso esperar para ser como a mamãe, com grandes seios. Eles são lindos", completou Poppy. Sarah já declarou em entrevistas anteriores que quer transformar a filha em uma top model
Louvor inflado e autoestima
Os pesquisadores criaram uma expressão para diferenciar os tipos de elogios. 'Inflated praise', que em tradução livre é o equivalente a 'louvor inflado', é descrito no estudo como aquele elogio que inclui palavras de ênfase como 'incrível' e 'perfeito'.
Em um dos estudos avaliados, 114 pais (88% dos quais eram mães) participaram da experiência junto com os filhos. Alguns dias antes, as crianças fizeram testes específicos para determinar seu grau de autoestima. Em casa, os pais aplicaram 12 exercícios de matemática cronometrados e disseram aos filhos suas impressões sobre os resultados. A ação foi filmada, sem a presença dos pesquisadores no ambiente. Expressões como 'fantástico' caíram na categoria louvor inflado. Já a frase 'você fez isso muito bem' ficou na categoria louvor não-inflado.
A psicopedagoga Cristina Silveira reforça que uma criança com baixa autoestima geralmente vai recusar convites, vai apresentar desculpas e pode até mesmo somatizar a ansiedade - com dores de cabeça, diarreia, problemas respiratórios
Em outra experiência, 240 crianças fizeram um desenho inspirado pela pintura 'Rosas Selvagens', de Van Gogh. Em seguida, uma pessoa identificada como 'pintor profissional' fez observações sobre o trabalho, variando entre 'louvor inflado', 'louvor não-inflado' e 'não-louvor'.
Depois de receber a nota, as crianças foram convidadas a fazer outros desenhos, mas poderiam escolher qual imagem iriam copiar. Os organizadores informaram aos participantes que algumas eram mais fáceis, portanto elas poderiam errar menos. E também aprender menos. As outras opções eram mais difíceis, e elas poderiam errar mais, mas também aprender mais.
As crianças com autoestima baixa que receberam elogios inflados escolheram as mais fáceis. As crianças com autoestima elevada que receberam os mesmos elogios tiveram a tendência de buscar imagens mais difíceis de copiar. “O 'louvor inflado' coloca pressão sobre pessoas com autoestima pouco desenvolvida. Se você disser a ela que o resultado foi incrivelmente ótimo, ela pode se sentir obrigada a seguir o mesmo padrão e não topar novos desafios, para ficar em uma zona segura”, define Brummelman. O colega Bushman completa. “Embora isso contrarie o senso comum, os pais e demais adultos devem controlar seus desejos de inflar o ego da crianças que já se sentem mal sobre si mesmas”, conclui.
A psicopedagoga Cristina Silveira reforça que uma criança com baixa autoestima geralmente vai recusar muitos convites, vai apresentar desculpas e pode até mesmo somatizar a ansiedade – com dores de cabeça, diarreia, problemas respiratórios. “Ela pode também se apresentar como uma criança mais entristecida, que não acredita em seu potencial. Os pais precisam ter a sensibilidade para perceber que não é uma incapacidade cognitiva ou motora; e sim a insegurança que está barrando o desenvolvimento do filho”, define a psicanalista. Outra hipótese pode ser a presença de alguma condição específica da criança, como o déficit de atenção. “Neste caso, o cuidado deverá ser também específico e os elogios durante o processo deverão ser direcionados à capacidade de se concentrar em uma tarefa, por exemplo”, aconselha.
E a falta, faz falta?
Sim. A falta de elogios também pode ser prejudicial. Fazer o estilo 'pai severo' e exigir um boletim que tenha apenas nota 10, sem nunca reconhecer o esforço, pode levar a uma sensação de abandono emocional, que reduz a autoestima e autoconfiança. “O reconhecimento é uma forma de cuidado e uma demonstração de que aquela criança está sendo observada pela família”, argumenta a psicopedagoga.
Na experiência, 240 crianças fizeram um desenho inspirado pela pintura 'Rosas Selvagens', de Van Gogh e depois receberam diferentes elogios e comentários. Em seguida, elas foram convidadas a fazer outros desenhos, mas poderiam escolher qual imagem iriam copiar. As crianças com autoestima baixa que receberam elogios inflados escolheram as mais fáceis
As crianças querem, além de um elogio bem colocado, a presença e a compreensão. Ela pode ter necessidade de mudar de escola, por exemplo, devido ao seu perfil. Por que não? Há escolas de diversas linhas e propostas. Outro exemplo: ela pode não ser talhada para ser um grande jogador de futebol, mas ter outro talento, que só será percebido com a convivência. “É preciso desfazer as fantasias que os pais têm em relação aos filhos. Nós precisamos enxergar os filhos reais que temos em casa, ou seja, aqueles que têm várias potencialidades, mas talvez não aquelas que imaginamos. Essa criança pode vir a ter uma vida maravilhosa, fazer uma ação importante pelo bem da humanidade, mas acabamos por sufocá-la em prol de nossas expectativas”, defende Cristina Silveira. “Entre a postura ultrasevera de antigamente e a falta de limites que veio depois, é preciso haver um equilíbrio. Lembrando que cada criança tem seu jeito. Umas precisam de mais incentivo, outras menos”, finaliza.
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